Economia
07/04/2025Escalada tarifária de Trump põe em risco sistema multilateral do Comércio
Diante de cenário mundial desafiador, Brasil precisa de visão, planejamento e diversificação de parceiros comerciais para ganhar espaço no mundo, avalia cientista político

As medidas tarifárias impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, devem gerar uma série de impactos negativos em escala global. Essas políticas protecionistas, que visam reequilibrar a economia estadunidense, podem resultar em inflação, desemprego e danos substanciais à cadeia de suprimentos globais. Além disso, há um risco real de que essas ações possam levar à destruição do sistema de Comércio internacional, que tem sido a espinha dorsal da economia global nas últimas décadas.
Segundo Heni Ozi Cukier, cientista político e professor, a lógica por trás das tarifas de Trump é trazer reequilíbrio ao Comércio internacional. “Existem alguns países no mundo que são superavitários, ou seja, eles despejam e inundam o mercado global com seus produtos. Isso causa distorções relevantes na economia de diversas maneiras. A China é uma economia de superávit comercial estruturalmente artificial, o que intensifica esses desequilíbrios”, argumenta. Essa distorção impacta a capacidade (e a vantagem) competitiva das outras nações. Para os Estados Unidos, o custo tem sido a fragmentação do setor produtivo e o estabelecimento de um mercado consumidor muito maior do que produtor.
A reversão disso exigiria da economia chinesa uma redução na sua capacidade produtiva. “No entanto, a China reluta em fazer isso em virtude de várias consequências políticas para o regime no poder. Além disso, há interesses de grupos que têm lucrado com a atual distribuição interna da economia chinesa há décadas, tornando a mudança ainda mais difícil. A moral da história é que a China está exportando desemprego para os Estados Unidos”, declarou Cukier, durante uma reunião plenária com as diretorias da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo (Cecomercio), na segunda-feira passada (31).
Com isso, Trump busca estimular o crescimento do setor produtivo do próprio país, promover a reindustrialização, gerar mais empregos e aumentar os salários. Contudo, de acordo com o professor, ele tem escolhido os alvos errados para implementar essas políticas. “Para promover o reequilíbrio, as tarifas deveriam ser direcionadas exclusivamente às economias superavitárias e estruturalmente persistentes, como China, Alemanha, Japão e Coreia do Sul. Implementar essas tarifas em países como México, Canadá, Brasil ou Colômbia não traria os mesmos resultados”, complementou. Outra lógica, além da econômica, é usar as tarifas como uma ferramenta política para obter ganhos com parceiros internacionais. “Mas Trump não tem sido bem-sucedido nessa abordagem.”
Segundo Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP, a escalada tarifária provocada pelo presidente Trump introduz um nível de incerteza e instabilidade que não era visto há décadas. “Se outros países seguirem o exemplo dos Estados Unidos e começarem a impor as próprias tarifas, o mundo pode entrar em uma espiral de medidas protecionistas e retaliações. Isso poderia trazer graves problemas para as cadeias mundiais de produção. É um assunto incontornável e uma das grandes preocupações dos empresários. Uma escalada dessa disputa comprometerá investimentos, interromperá cadeias de valor, aumentará a inflação em alguns países — inclusive nos Estados Unidos —, fortalecerá tensões geopolíticas e vai pôr em xeque o sistema multilateral do Comércio”, advertiu.
Riscos geopolíticos com Trump
O cientista político também analisou as disputas geopolíticas e suas implicações. Para ele, as estratégias de cooperação que sustentaram a ordem internacional nos últimos 120 anos estão sendo desafiadas de maneira surpreendente e chocante.
Ao longo da história, a teoria geopolítica sempre enfatizou a importância de impedir o surgimento de uma potência dominante na Eurásia. “Se uma potência controlar toda a Eurásia, será capaz de construir uma grande marinha e conquistar territórios adjacentes, como o Reino Unido, as Américas, a Austrália e o Japão”, afirmou. Essa teoria embasou as decisões estratégicas de europeus, russos, chineses, estadunidenses e ingleses por mais de um século, prevalecendo uma aliança marítima anglo-americana bem-sucedida.
Entretanto, Cukier advertiu que as políticas de Trump parecem ignorar essa lógica geopolítica histórica. “Quando Trump sinaliza que vai entregar a Ucrânia à Rússia e abandonar a Europa, ele está rasgando 120 anos de estratégia vitoriosa. Isso não trará paz e estabilidade, mas o início de um dominó de conflitos gigantescos.” Caso essas forças ganhem mais espaço, a consequência não será uma guerra imediata, mas várias outras guerras na sequência. Esses erros terão um custo muito alto para os norte-americanos, para o mundo livre e para o Ocidente.”
Uma das promessas de campanha de Trump é “abandonar” Taiwan. Se isso ocorrer, o Japão provavelmente se tornará uma potência atômica. Consequentemente, a Coreia do Sul, que abriga 30 mil soldados norte-americanos, perceberá que não pode confiar apenas nessa presença militar, especialmente com a Coreia do Norte já possuindo armas nucleares, e buscará também se tornar uma potência atômica, explicou o professor. “Recentemente, a Polônia expressou a necessidade de adquirir armas nucleares, e a Alemanha também se armará. Com esses países adquirindo esses dispositivos explosivos, será difícil impedir o Irã de fazer o mesmo. Se o Irã adquirir essas armas nucleares, a Arábia Saudita, que tem um acordo com o Paquistão, também se tornará uma potência atômica. Com a Arábia Saudita e o Irã possuindo armas nucleares, a Turquia e o Egito seguirão o mesmo caminho. Essa proliferação nuclear poderia resultar em 18 a 20 novos países com esses aparatos, criando um mundo não de guerra imediata, mas de muito mais instabilidade”, sintetizou.
Redesenho das cadeias de valor — e o lugar do Brasil nesse cenário
Na reunião, Cukier ainda destacou que a cadeia global de valor está sendo redesenhada, o que representa uma oportunidade para o Brasil se inserir nesse novo cenário. “O País pode produzir e fornecer produtos com a vantagem de estar mais próximo do que a Ásia e ser uma democracia. Isso tem apelo tanto para os Estados Unidos quanto para a Europa — e até para a China”, afirmou. No entanto, ele reiterou a necessidade de visão, planejamento e ação rápida para que o Brasil possa ocupar esse espaço — o que ainda não ocorre. “Transformar o País em um polo da cadeia mundial requer infraestrutura, incentivos, mão de obra qualificada e uma estrutura coordenada pelo Estado”, ressaltou.
Quanto às recentes tensões entre os Estados Unidos e a União Europeia (EU), Cukier também vê oportunidades para o Brasil. O cientista político acredita que precisamos ser proativos e nos posicionarmos como uma solução para as necessidades europeias, especialmente com os estadunidenses se distanciando. “O Brasil tem comida, energia e políticas ambientais, tudo o que a Europa precisa — e somos democráticos. Precisamos nos vender como uma solução para eles”, disse. Dessa forma, ele também salientou que as tarifas de Trump podem acelerar o acordo entre Mercosul e UE.