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Economia

Escalada tarifária de Trump põe em risco sistema multilateral do Comércio

Diante de cenário mundial desafiador, Brasil precisa de visão, planejamento e diversificação de parceiros comerciais para ganhar espaço no mundo, avalia cientista político

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Escalada tarifária de Trump põe em risco sistema multilateral do Comércio
Escalada tarifária provocada pelo presidente Trump introduz um nível de incerteza e instabilidade que não era visto há décadas (Arte: TUTU)

As medidas tarifárias impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, devem gerar uma série de impactos negativos em escala global. Essas políticas protecionistas, que visam reequilibrar a economia estadunidense, podem resultar em inflação, desemprego e danos substanciais à cadeia de suprimentos globais. Além disso, há um risco real de que essas ações possam levar à destruição do sistema de Comércio internacional, que tem sido a espinha dorsal da economia global nas últimas décadas 

Segundo Heni Ozi Cukier, cientista político e professor, a lógica por trás das tarifas de Trump é trazer reequilíbrio ao Comércio internacional. “Existem alguns países no mundo que são superavitários, ou seja, eles despejam e inundam o mercado global com seus produtos. Isso causa distorções relevantes na economia de diversas maneiras. A China é uma economia de superávit comercial estruturalmente artificial, o que intensifica esses desequilíbrios”, argumenta. Essa distorção impacta a capacidade (e a vantagem) competitiva das outras nações. Para os Estados Unidos, o custo tem sido a fragmentação do setor produtivo e o estabelecimento de um mercado consumidor muito maior do que produtor.  

A reversão disso exigiria da economia chinesa uma redução na sua capacidade produtiva. “No entanto, a China reluta em fazer isso em virtude de várias consequências políticas para o regime no poder. Além disso, há interesses de grupos que têm lucrado com a atual distribuição interna da economia chinesa há décadas, tornando a mudança ainda mais difícil. A moral da história é que a China está exportando desemprego para os Estados Unidos”, declarou Cukier, durante uma reunião plenária com as diretorias da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) e do Centro do Comércio do Estado de São Paulo (Cecomercio), na segunda-feira passada (31). 

Com isso, Trump busca estimular o crescimento do setor produtivo do próprio país, promover a reindustrialização, gerar mais empregos e aumentar os salários. Contudo, de acordo com o professor, ele tem escolhido os alvos errados para implementar essas políticas. “Para promover o reequilíbrio, as tarifas deveriam ser direcionadas exclusivamente às economias superavitárias e estruturalmente persistentes, como China, Alemanha, Japão e Coreia do Sul. Implementar essas tarifas em países como México, Canadá, Brasil ou Colômbia não traria os mesmos resultados”, complementou. Outra lógica, além da econômica, é usar as tarifas como uma ferramenta política para obter ganhos com parceiros internacionais. “Mas Trump não tem sido bem-sucedido nessa abordagem.”

Segundo Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente em exercício da FecomercioSP, a escalada tarifária provocada pelo presidente Trump introduz um nível de incerteza e instabilidade que não era visto há décadas. “Se outros países seguirem o exemplo dos Estados Unidos e começarem a impor as próprias tarifas, o mundo pode entrar em uma espiral de medidas protecionistas e retaliações. Isso poderia trazer graves problemas para as cadeias mundiais de produção. É um assunto incontornável e uma das grandes preocupações dos empresários. Uma escalada dessa disputa comprometerá investimentos, interromperá cadeias de valor, aumentará a inflação em alguns países — inclusive nos Estados Unidos —, fortalecerá tensões geopolíticas e vai pôr em xeque o sistema multilateral do Comércio”, advertiu.

Riscos geopolíticos com Trump

O cientista político também analisou as disputas geopolíticas e suas implicações. Para ele, as estratégias de cooperação que sustentaram a ordem internacional nos últimos 120 anos estão sendo desafiadas de maneira surpreendente e chocante.

Ao longo da história, a teoria geopolítica sempre enfatizou a importância de impedir o surgimento de uma potência dominante na Eurásia. “Se uma potência controlar toda a Eurásia, será capaz de construir uma grande marinha e conquistar territórios adjacentes, como o Reino Unido, as Américas, a Austrália e o Japão”, afirmou. Essa teoria embasou as decisões estratégicas de europeus, russos, chineses, estadunidenses e ingleses por mais de um século, prevalecendo uma aliança marítima anglo-americana bem-sucedida.

Entretanto, Cukier advertiu que as políticas de Trump parecem ignorar essa lógica geopolítica histórica. “Quando Trump sinaliza que vai entregar a Ucrânia à Rússia e abandonar a Europa, ele está rasgando 120 anos de estratégia vitoriosa. Isso não trará paz e estabilidade, mas o início de um dominó de conflitos gigantescos.” Caso essas forças ganhem mais espaço, a consequência não será uma guerra imediata, mas várias outras guerras na sequência. Esses erros terão um custo muito alto para os norte-americanos, para o mundo livre e para o Ocidente.” 

Uma das promessas de campanha de Trump é “abandonar” Taiwan. Se isso ocorrer, o Japão provavelmente se tornará uma potência atômica. Consequentemente, a Coreia do Sul, que abriga 30 mil soldados norte-americanos, perceberá que não pode confiar apenas nessa presença militar, especialmente com a Coreia do Norte já possuindo armas nucleares, e buscará também se tornar uma potência atômica, explicou o professor. “Recentemente, a Polônia expressou a necessidade de adquirir armas nucleares, e a Alemanha também se armará. Com esses países adquirindo esses dispositivos explosivos, será difícil impedir o Irã de fazer o mesmo. Se o Irã adquirir essas armas nucleares, a Arábia Saudita, que tem um acordo com o Paquistão, também se tornará uma potência atômica. Com a Arábia Saudita e o Irã possuindo armas nucleares, a Turquia e o Egito seguirão o mesmo caminho. Essa proliferação nuclear poderia resultar em 18 a 20 novos países com esses aparatos, criando um mundo não de guerra imediata, mas de muito mais instabilidade”, sintetizou.

Redesenho das cadeias de valor — e o lugar do Brasil nesse cenário

Na reunião, Cukier ainda destacou que a cadeia global de valor está sendo redesenhada, o que representa uma oportunidade para o Brasil se inserir nesse novo cenário. “O País pode produzir e fornecer produtos com a vantagem de estar mais próximo do que a Ásia e ser uma democracia. Isso tem apelo tanto para os Estados Unidos quanto para a Europa — e até para a China”, afirmou. No entanto, ele reiterou a necessidade de visão, planejamento e ação rápida para que o Brasil possa ocupar esse espaço — o que ainda não ocorre. “Transformar o País em um polo da cadeia mundial requer infraestrutura, incentivos, mão de obra qualificada e uma estrutura coordenada pelo Estado”, ressaltou. 

Quanto às recentes tensões entre os Estados Unidos e a União Europeia (EU), Cukier também vê oportunidades para o Brasil. O cientista político acredita que precisamos ser proativos e nos posicionarmos como uma solução para as necessidades europeias, especialmente com os estadunidenses se distanciando. “O Brasil tem comida, energia e políticas ambientais, tudo o que a Europa precisa — e somos democráticos. Precisamos nos vender como uma solução para eles”, disse. Dessa forma, ele também salientou que as tarifas de Trump podem acelerar o acordo entre Mercosul e UE.

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